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DESAFIOS DE SER CRISTÃO NA AMAZÔNIA

Viver hoje na Amazônia parece menos desafiante do que viver em Milão, ou em Paris e menos ainda em Atenas. Ali os povos vivem diariamente sob pressão da crise financeira, que destrói rapidamente as conquistas sociais do pós guerra. Eles e elas não sabem o que será amanhã. Aqui na Amazônia, o menor desafio é só aparente e tem a ver com a crise que assola as zonas do Euro e do dólar. O grau e as formas da nossa crise são um pouco diferentes, mas as inseguranças e riscos talvez sejam até maiores do que os dos milaneses e parisienses.

Ter informações mais objetivas, criar consciência crítica, sabendo por anda essa mudança de época, ao mesmo tempo vivendo nesta região tão cobiçada pelo mercado,  aumenta na gente as preocupações e angústias.

Sou presbítero diocesano há 41 anos, filho da Amazônia, discípulo do Concílio Vaticano II, das decisões dos bispos latino americanos em Medellin (1968) e da teologia da libertação. Nasci no município de Santarém, bem ao centro da floresta amazônica. Vejo e observo como nossa região é cobiçada e saqueada por projetos de fora e do estrangeiro.

Além dos trabalhos de animador pastoral de 10 comunidades na periferia da cidade de Santarém (220.000 habitantes), sou coordenador da emissora de rádio da Diocese, há 11 anos. Já isto coloca um formador de opinião na responsabilidade de anunciar boas notícias e denunciar injustiças. O rádio é um instrumento importante nesta imensa Amazônia. Por isso, mais do que apenas coordenar a emissora produzo programas radiofônicos, que tentam provocar as consciências dos e das ouvintes para verem porque nossos povos continuam pobres e até miseráveis, enquanto as riquezas passam diariamente aos nossos olhos, nos navios que cruzam nosso rio Amazonas e nos caminhões carregados de toras de madeiras, que enriquecem poucos.

(ver www.radioruraldesantarem.com.br). Nesta posição privilegiada de formador de opinião, com responsabilidade, sócio, político, teológica devo partilhar a consciência crítica com a população que nos acompanha na pastoral e na audiência radiofônica, em busca de mudança por um mundo que é possível. Por isso, sou também militante das causas da Amazônia.

Esse idealismo me leva a estudar bastante a sociedade em que vivemos, para compreender o porquê da crise financeira internacional e seus reflexos na vida do Brasil. Este líder da América latina, membro dos BRICS, que se ufana de ter suplantado a Itália na lista dos países do chamado G-8, se dizendo ser hoje a sexta economia mais rica do planeta.

A fragilidade desta sexta economia mais rica do mundo é que, além de ser o mais escandaloso em desigualdade social, com ¼ de sua população vivendo na miséria, com 2 dólares per capita/dia, é que essa riqueza que aumenta o PIB do país se baseia em sua maior parte, na exportação de produtos primários e semi elaborados.

Neste contexto aparece nosso grande desafio e angústia. A Amazônia é a grande vítima. Por ser o Eldorado de produtos primários e semi elaborados (minérios, madeira, gado, fontes hídricas e agronegócio de soja), de que o grande mercado está ávido, enfrentamos, ao menos cinco grandes inimigos da Amazônia de nossas culturas, povos, bens não renováveis e biodiversidade. São eles, plantadores de soja, empresas madeireiras, empresas mineradoras, fazendeiros e, infelizmente o governo federal, com seu programa de aceleração do crescimento econômico, o PAC.

Esses inimigos não respeitam nossos povos (mais de 100 povos com suas culturas, línguas e territórios vivemos na Amazônia), invadem nossa soberania territorial, violam nossos direitos, tudo para saquear os produtos da região, inclusive construindo hidroelétricas (o plano do governo federal é construir 38 hidroelétricas na Amazônia, 5 delas já em andamento), para gerar “energia limpa” para eles e suja para os moradores ribeirinhos, indígenas, e moradores das periferias das cidades.

Nossa grande luta hoje aqui se baseia em três linhas de ação: a) denunciar  toda essa destruição em nome do crescimento econômico da sexta economia do planeta, à custa do sacrifício e destruição da região e seus 25 milhões de  habitantes; b) despertar a consciência dos povos da região, através do rádio e de outras tecnologias de informação, hoje disponíveis entre nós. Abrir os olhos para as causas de nossa pobreza, quando tantas riquezas estão sendo retiradas; c) Formar grupos de militantes da sociedade civil para resistir a esse avanço destruidor da Amazônia. Só com resistência ativa da sociedade podemos parar essa destruição.

Ser sacerdote na Amazônia é assumir o papel profético, como assumiu Moisés, ao ser interpelado por Deus, enquanto cuidava do rebanho de ovelhas do sogro: “ouvi os clamores de  meu povo e te escolhi, vai liberta meu povo da escravidão do Egito...” Êx. 5. Como também ao assumir a missão de Jesus Cristo explicitada na sinagoga de Nazaré – “O espírito do Senhor está sobre mim, me ungiu e mandou anunciar boas notícias aos pobres, abrir os olhos dos cegos e libertar os oprimidos...” Luc. 4,16. Se eu calar e ficar só rezando, as pedras falarão.

Pe. Edilberto Sena, 69 anos

Pároco, radialista e militante das causas sociais

Santarém, Pará, Amazônia